Quando se fala em Borderlands, a maioria das pessoas logo pensa na clássica franquia de looter shooters em primeira pessoa, repletos de armas insanas, personagens excêntricos e aquele humor ácido que virou marca registrada. Mas em 2014, a Telltale Games mostrou que esse universo tinha espaço para algo bem diferente: um jogo narrativo no estilo point-and-click, focado em escolhas e desenvolvimento de personagens. O resultado foi Tales from the Borderlands, considerado até hoje um dos melhores trabalhos da Telltale. Agora, quase uma década depois, a Gearbox decidiu revisitar esse formato com New Tales From the Borderlands, trazendo uma nova leva de personagens, piadas afiadas e decisões que moldam o destino de seus protagonistas.
Dessa vez, a aventura é dividida em cinco episódios lançados de uma só vez, algo que já elimina aquela espera ansiosa que os fãs tiveram com a Telltale. A história se passa em Promethea, pouco tempo depois dos eventos de Borderlands 3, e nos apresenta três novos protagonistas: Anu, uma cientista idealista que acredita em um futuro sem violência; Octavio, seu irmão adotivo, cheio de sonhos de grandeza, mas com pouca responsabilidade; e Fran, dona de uma sorveteria destruída por conflitos corporativos e com um temperamento explosivo. Ao longo da jornada, eles se juntam a LOU13, um robô assassino carismático, e enfrentam uma trama que mistura interesses corporativos, segredos de Vaults e, claro, muito humor nonsense.
O que mais chama a atenção logo de início é o cuidado com a construção dos personagens. Cada um deles tem motivações claras e conflitos internos que fazem sentido dentro da narrativa. Anu, por exemplo, vive um dilema moral ao trabalhar em uma corporação bélica mesmo acreditando na paz. Octavio quer reconhecimento a qualquer custo, mas acaba sempre tropeçando em sua própria ambição. Já Fran, apesar do jeito durão, busca reerguer sua vida e mostrar que não vai ser apagada pelo sistema. Essa profundidade torna fácil se apegar a eles e querer saber como suas histórias vão se desenrolar.
A estrutura do jogo segue fiel ao estilo narrativo: muitas escolhas de diálogos cronometrados, interações com o ambiente e quick-time events que simulam momentos de ação. Embora os QTEs não sejam muito desafiadores, eles ajudam a quebrar o ritmo e dão um ar de dinamismo à trama. Além disso, algumas decisões realmente mudam o rumo da narrativa, afetando relações entre personagens e até o desfecho de certos capítulos. É um jogo mais sobre a jornada do que sobre habilidade, e isso precisa ser entendido de antemão para não gerar frustração.
Um dos elementos mais divertidos é a presença dos mini-games, em especial o Vaultlanders. Nele, o jogador coleciona bonequinhos baseados em personagens icônicos da franquia e pode batalhar com eles em duelos caricatos. Embora seja mais um passatempo do que algo essencial, adiciona uma camada de humor e fan service que combina bem com o espírito da série. Outros momentos de exploração e pequenas interações também ajudam a dar variedade, mesmo que o foco seja quase sempre a narrativa.
Visualmente, New Tales From the Borderlands mantém a identidade estética da franquia. O cel-shading colorido e estilizado retorna com força, mas com melhorias técnicas que aproveitam bem o PS5. As animações faciais, em especial, são surpreendentes para um jogo do gênero, transmitindo emoções com clareza e ajudando a reforçar a atuação dos dubladores. É notável como o estilo cartunesco suaviza a violência e cria um contraste perfeito entre situações cômicas e tensas.
A dublagem, aliás, é um dos maiores destaques. O elenco de vozes entrega interpretações vibrantes, cheias de personalidade e impecáveis no timing cômico. LOU13, por exemplo, rouba a cena em várias ocasiões com suas falas sarcásticas e postura robótica cheia de ironia. Essa qualidade na atuação contribui para que até as piadas mais exageradas soem naturais, mantendo o ritmo sempre agradável. É aquele tipo de jogo em que você se pega rindo alto em alguns momentos, mas também refletindo em outros.
O humor, como esperado, é uma das bases da experiência. Há piadas que vão desde sátiras sociais a tiradas mais bobas, passando por momentos de metalinguagem e quebras da quarta parede. Claro, nem todas funcionam, mas a taxa de acerto é alta o bastante para manter o jogador entretido. E mesmo quando as piadas caem no lugar-comum, o carisma dos personagens segura bem a narrativa.
No entanto, nem tudo é perfeito. A estrutura do jogo pode soar limitada para quem espera algo mais variado em termos de jogabilidade. Afinal, a maior parte do tempo é dedicada a escolher falas ou reagir a QTEs. Os mini-games ajudam, mas não compensam completamente a falta de mecânicas mais robustas. Além disso, algumas cenas têm um ritmo arrastado, e certas piadas poderiam ter sido cortadas sem prejuízo para a experiência. Apesar dessas limitações, New Tales From the Borderlands acerta no que realmente importa: contar uma boa história. A relação entre os protagonistas é convincente, os dilemas morais têm peso, e o universo continua cheio de personagens secundários memoráveis, como vendedores excêntricos e vilões caricatos. Essa mistura de humor, drama e ação interativa faz com que o jogo se destaque dentro do gênero de aventuras narrativas. Outro ponto positivo é que o jogo não exige conhecimento prévio da série Borderlands. Claro, os fãs veteranos vão aproveitar melhor as referências, mas qualquer jogador pode mergulhar sem medo. O roteiro é bem escrito e explica o necessário, tornando-se acessível até para quem nunca atirou em uma arma maluca da franquia principal. Essa escolha amplia o público e mostra que a Gearbox soube balancear homenagem e acessibilidade.
A performance no PS5 é sólida. Carregamentos rápidos, imagem limpa e estável e uso eficiente do DualSense para pequenas vibrações durante cenas de ação trazem um nível de imersão extra. Não é um showcase técnico do console, mas também não decepciona em nenhum aspecto. Para um jogo de narrativa interativa, a fluidez é mais do que suficiente.
No fim das contas, New Tales From the Borderlands não tenta reinventar a roda. Ele entrega exatamente o que promete: uma aventura interativa cheia de humor, personagens carismáticos e escolhas que impactam o desenrolar da trama. Pode não ser o jogo mais variado do mundo em termos de gameplay, mas sua força está na escrita, na atuação e no jeito Borderlands de rir até das maiores tragédias. É uma experiência que vale a pena tanto para fãs da franquia quanto para quem busca uma narrativa divertida e bem conduzida.
Agradeço à 2K Games por ceder gentilmente a key para o PS5, permitindo que esta análise fosse realizada.
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